Assim ficou fácil.
Meu permanente desencontro com os altares de santos brancos de gêsso frio. Meu favor pelo gosto da óstia - que devorei muitas vezes com fé, entrega e medo. Toda a aprendizagem dos meus dez anos de colégio de freiras não apagou a força profunda dos Orixás que moram dentro da minha vida e que dão ilás lindíssimos e fortes dentro de minha cabeça.
Vez muita já tive que gritar "Oke, Arô" e perguntando a minha mãe: O que é isso? De quem é isso? E, num mistério todo negro, simplesmente não saber, naquela hora, reproduzir...
Quando segui, institiva, o rastro de cheiros e memórias outras que me conduziram até meus Orixás, cheguei sem medo, entregue toda: tomo banhos frios de cheiro uterino, prendo o cabelo, uso saias imensas, tomo mordida de formiga de taboca, machuco as mãos cortando quiabo duro, varro chão, sirvo, esquecida dos títulos e dos saberes doutos, a pessoas que mastigam um português gostoso, que não é meu, mas do qual raspo migalhas e falo sem concordâncias, e sem cerimônias. Como longe da mesa, por último: faminta e feliz.
Na roça, como chamamos o terreiro quando em terra de não iniciados, viro uma menina curvada sob o peso de uma tradição que é ulterior, em muito, a mim. Bato cabeça no chão e meu corpo todo se educa, para o silêncio, para a demora...as narinas, os olhos, os ouvidos, tudo em mim se apequena, se humilha feliz e grato, diante de uma força negra, poderosa, de ventanias e lagos profundos.
Sou a Oxum bonita de meu pai. A que lhe serve nas mãos o prato e lhe pede a benção.
Sou a que é guardada e aguarda, me preparando para a hora certa.
Mergulho neste mundo de silêncio e entrega.
E há alegria sempre no meu coração.
Muito lindo, poeta. Essa alegria que brota no coração é o que realmente importa. Alegria que torna-nos fortes e que é paliativo e energético para vicissitudes vindouras.
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