"No tempo em que comemoravam o dia de meus anos
eu era feliz e ninguém estava morto"
Álvaro de Campos
Tenho alimentado afetos com a parte boa de minhas entranhas,
a parte que não sangra tanto,
que não se avermelha em dobras.
Tenho tentado.
E que trabalho pesado este de tentar.
Tenho atendido telefonemas no meio da madrugada
como se salvasse suicidas,
corro andares ofegante de meu respiro
para evitar males que desconheço,
e o amor não cessa de me impingir sua presença dolorosa.
Já o expulsei de casa muitas vezes
e ele se esconde no dormente das portas,
o amor persiste e o sol escalavra minha pele fina
dentro da beleza de cada dia.
Tenho alimentado o amor com dedos protegidos de coragem e fé.
Mas seus dentes são tão afiados
que me ferem no côncavo das cutículas,
eles me lanham profundo,
e o amor, em mim, não cessa.
Tenho medo desta força que não me perdoa
nem me salva.
O amor tem me feito sangrar dos poros às entranhas,
depois,
como um perverso,
lambe minhas cicatrizes.