terça-feira, 17 de setembro de 2013

Sometimes


Às vezes é um vento mais forte
e ele vem de longe, tangendo as colinas
E as tardes se emancipam de mim,
como se fossem feitas de puro desejo.

Um azul intenso devora meus dedos
e os olhos, inteiros, são de oceano e vão
e eu estou perdida: não há portas
mas as chaves persistem,
pendendo de minhas mãos.

Um vento que me fala em uma outra língua
e, ainda assim, toda me devora,
e não há apelo,
e não há distância que o coloque de volta:
entra pelos meus cabelos
e faz deles sua mais perfeita morada.

Um vento, e eu de todo exilada.
Um vento, e eu desfeita,
calada.
Um vento, e, pobre de mim,
sou toda feita de Água.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Esquecimentos
     Para minha Mãe


Se doer mais um pouco,
de minha boca sairão pedras
e tochas acessas devorarão minha carne.

Se doer só mais um pouco,
as palavras brotarão de meus poros
e minha boca se demorará em silêncios.

Se doer ainda mais,
nascerá um sangue bruto entre meus dentes

e meu útero perderá seus segredos de vazio.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

 Canteiros
      Para Ailton Pinheiro


Mora no meu entrepernas sua rosa mais absoluta.
Aquela que perfuma as madrugadas no teu jardim.
jardineiro delicado que és,
rega, com o doce dos lábios, minhas pétalas,
toca meus talos com seus dedos de ouro
e se alimenta de meu néctar.

Dança, no meu corpo, sua bandeira intranquila,
me lanham seus dentes
e o longo crespo de seus cabelos.

Na noite que fazemos do dia para nossos corpos,
moram silêncios que só você colheu.
Graças às mãos abençoadas de meu jardineiro,
desabrocham flores em minha pele,
e nas dobras de meus cabelos,
e flores proibidas saem desta minha boca.




sexta-feira, 19 de julho de 2013

Sobre a Poeta

As pedras que me enfeitam a travessia
entranham seus dentes nos meus pés.
Sangro em silêncio e sem pressa
apenas porque sangrar é minha ciranda,
minha dança feminina,
meu ritual.

O sal das águas macera meu corpo
e as algas ligeiras persistem em meus cabelos.
Os peixes bebem de minhas lágrimas
enquanto teço mais uma pérola macia.

Colho espinhos em vez de rosas,
adoeço, durmo a morte das horas,
não sinto fome. Minha saúde vacila
e a palavra não sana o que sangra.

São três medicamentos e duas refeições diárias,
oito horas de sono e três sessões de fisioterapia,
as contas que devoram os dias,
três quilos que, ainda,
livros que se trançam nos dias,
e a poesia, que não me mata,
mas também não me cura.



Riografias

Há como se (a)mar a pele qualquer,
Há como se perder nos seixos
quebrar eixos, (a)mar uma gota triste
como quem derivasse num oceano.

Há quem pense (ar)mar, nas nuvens
algum castelo triste.

Há.

Mas o Rio, prenhe de negruras,
ainda perfuma a noite, a juba, o silêncio das correntezas.
O Rio, inolvidável, deixa até nas pedras
o seu rastro.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013


Desenlace

O que rima quando finda
é uma cama menos vazia
um luto esbranquiçado
e o sorriso que não pude
te dar na despedida.

O que rima mesmo,
quando tudo se finda
é um retrato perdido,
uma porta fechada para o inútil
e as tramas delicadas das cortinas
desvelando,
no paladar das horas,
aquele instante em que o trinco permanecerá imóvel.

O que rima quando amor finda
é um olhar infinito sobre as correntezas,
e uma banda inteira de armário vazia.

{E sobejos de insutilezas:
um lugar a menos na mesa,
menos itens na lista do mercado,
economias nas contas mensais...}

Mas, acima de tudo,
me sobra uma varanda,
por onde vejo o mundo,
e derramo todas as lágrimas
que engulo quieta,
como quem se alimenta de seus próprios ais.

LN