Para Eliana Mara, Ana Cládia Pantoja e Claudete Weiss
Estudei em colégio católico. Isso me fez arisca, desconfiada. Mas também me ensinou a ser um ser feito para o amor, fiel, o mais possível, ao mandamento maior: Amar ao próximo como a si mesmo. Isso me enfraquece, às vezes, as armas para o ataque, me faz juntar ofensas e raivas no fundo lamacento do rio que sou eu. Mas, isso também me premiou com um coração puro, de amor caudaloso e profundo. Um coração que ama, verdadeiramente, o outro, num a priori que se espanta com o eventual mal amor recebido...
Dito isto, informo: amo a três mulheres. Já amei mais outras muitas, mas hoje, meu amor se deposita sobre o ventre de três mulheres que merecem o meu amor, hoje, mais que as outras.
A primeira delas se queimou no próprio fogo. Bravio que é o mar que inconstante se revira dentro de si, devorando pedras, lambendo – furioso – areias, cheirando a sangue de peixes e naufrágios, mar que retém tudo e nada entrega, mar que engole macio o presente perfumado e o lixo atiçado a suas ondas delicadas. A água verteu-se em brasa, e, viva, devorou seu ventre sempre prenhe de estrelas. Mas, para além da pele aberta em flancos dolorosos, está um útero vivo, rebrilhante, de onde nascem algas verdes que acarinham as pedras, águas-vivas que voam nas espumas intangíveis, há poesia, no corpo de Mara, a marinha, que sempre chamei assim, vez muita em segredo, como se falasse de Yemanjá, a Mãe de todos os Orixás.
Recolho a outra mulher do canto de um afeto doído. Roendo, obtusa, uma dor, uma perda. Lambendo feridas, vivendo a ausência de um amado – quando olho esta dor tão desamparada, tenho medo, menos pelo amado, que não voltará desta longa viagem, mas, infantilmente, por todas as outras mulheres que se vêem refletidas neste rosto já brando de dor, inclusive por mim. Estes olhos eclipsados para o mundo que – insensível – corre à sua volta, um dia voltarão a derramar-se sobre nós fazendo, milagrosamente, rebentarem nos nossos lábios sorrisos, numa primavera de flores rubras.
A outra, prepara uma filha num ventre cheio, traz ao mundo uma irmã, uma igual, outra de nós, que nascerá miúda e, ainda que pequena atravesse a vida, marcará, como todas nós, no chão, na pele, no sangue a escrita do corpo feminino, sua travessia, sempre tão parecida e única. A mãe, continuadora de todas e de todos, tem medo da dor, teme que seu corpo esguio e delicado se modifique. Há, entretanto, no cerne deste afeto um traço já indelével: nasce uma mulher. E, para todas nós, o mundo já não será o mesmo.
Foto By Irineu Fa
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