terça-feira, 9 de junho de 2009

Herdeiras de Penélope




Minha avó era mulher de pescador. Quando seu homem se costurava em barco nas dobras do mar. Quando a chuva fazia grandes cicatrizes no céu. Quando o sol não cessava de, obtuso, cruzar dia após dia o mesmo céu, ela esperava.

Eutímia escrevia sua volta nas roupas sujas que, surradas contra as pedras, aspergiam gotas como se pétalas de flores enfraquecidas. As nódoas se desfaziam na violência das pedras, mergulhavam nos rio, e este, desembocava, já doce e cândido do mar. Na volta, os peixes graúdos sobre a mesa.


Minha mãe casou-se com a vida. Era um homem em seus contornos bem limitados, mas era também a vida, um baco carioca que perdia-se na embriaguez do mundo. Trabalhava feito um feroz. E comia com as mãos sôfregas lascas inteiras de noite e de luar. E ela o esperava. Enquanto ele despegava-se das sereias outras. Quando cessava, no clarear, o samba. Quando era, finalmente, a hora de trabalhar. Ela esperava.

A porta sempre aberta a sua chegada, num feitiço muito dela, noite a dentro: porta aberta e lua alta. No certo momento, a porta rangia, se ouviam dois gritos e um silêncio. Ele chegou.


Eu casei-me com o mar de ondas e seu porto. Casei-me com o som da música e o seu silêncio. Espero sempre, como é mesmo do feminino esperar. Mas espero - e este é meu feitiço - chamando o seu nome, pelos cantos da casa, nas paredes, na mesa, na minha cama. E cada grito que dou por seu nome, mais perto chego de meu Odisseu.

Com meu chamado - sereia que sou - cessam os mares bravios, o vento se sopra a meu favor sob o céu limpo, e eis que, de pés lavados, ele aqui está.

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