"Deus te fez, Deus te crou, Deus te livre das vistas que mau te olhou.
Com dois te botaram, com três eu tiro, com os poderes de Deus,
da Virgem Maria e de Jesus de Nazaré,
seu filho concebido sem mágoa e sem pecado."
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Quando era pequena era cheia de achaques... Hoje ainda sou, mas não tenho mais a rezadeira que me tirava os males do corpo e os olhos de mal-olhar.
Ainda me falta, no pedaço oco da lembrança, indagar a minha mãe quais os motivos de, vez por outra, eu ser rezada. Mas o que não se pode esquecer é a sala meio escura, com Cosme e Damião ao alto, velas queimando o ar com sua fumaça preta, e os olhos daquela mulher: Dona Olegária.
Lembro, certa vez, devia ser mesmo caso de urgência, meu pai me levando nos braços e me segurando enquanto as folhas comiam meu corpo como pulgas de dentes finos, algo se ouvia da voz calejada de tanto caminhar pelas mesmas palavras, os dedos finos me dando volta no corpo, unhas desleixadas e crescidas sem regras, umas mais afiadas que as outras.
Na imagem que traço daquele espaço, vejo uma tapera de palhas estranhas, cheiro de feijão sempre ao fogo, galinhas ciscando o chão, nervosas; lembro dos vestidos sempre acinzentados de flores descoloridas e dos olhos, grandes, no seu branco contaminado por veias finas e uma bola mágica, negra e soberana brilhando na moldura meio cinza onde flutua a memória e o incenso queimado na lata de leite Ninho.
Queria, hoje de novo, Dona Olegária me rezando em voz sussurrada, me espancando com folhas já murchas e queimando minha sola dos pés no vapor cheiroso do incenso. Ali estava o antídoto para todas as dores, o espaço mágico de uma casa que se apagou, na ploriferação bacteriológica das favelas, do horizonte da casa antiga.
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