Sem nilimentos e a vida à toda
o sono tem sido firme como um outro acordar:
um cão de plumosa ira a roer meus calcanhares,
um sol de luz intensa a profanar os breus de mim,
um vento contra o qual eu ando como quem luta
com o que não vê.
Tenho dormido sem sonhos e acordado verdadeira.
Quando fecho os olhos exaustos de ser,
a porta maciça revela-se intransponível
e descubro desemparada que,
mais que as chaves, perdi as fechaduras
e não há janela de tramela inocente,
nem buraco indecente
por onde lamber a névoa densa do sonho.
Mais que a dor, a noite passa e o dia rasga,
com seu falo inconsútil, as tramas da cortina.
Sobrevivo à noite e a aurora dança crua sobre a terra.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Sina
Que mais pode um poeta fazer das pedras
senão cantá-las?
senão cantá-las?
Aporias do afeto
É tempo de morangos.
E de sol crepitante nas pedras da rua.
É tempo de chuvas esparsas
e palavras contidas:
céu de chumbo
para além do azul.
Tempo é das estátuas nuas
perfilharem os mendigos miúdos e
desmatriados.
É tempo de espera,
de silêncio,
de sangue sem carne,
de olhos de galo cantando o mundo.
Sim.
É tempo de morangos.
E de sol crepitante nas pedras da rua.
É tempo de chuvas esparsas
e palavras contidas:
céu de chumbo
para além do azul.
Tempo é das estátuas nuas
perfilharem os mendigos miúdos e
desmatriados.
É tempo de espera,
de silêncio,
de sangue sem carne,
de olhos de galo cantando o mundo.
Sim.
É tempo de morangos.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Romance
A palavra resvala dura
na carne de meu afeto.
(se dói e à noite não durmo,
ao menos fico límpida e delicada)
Nas distâncias que rebrilham sutilezas
Ouço seus olhos:
fina pétala magoada.
Sua voz a si mesma devora
famélica e desesperada.
E correntezas de brilho triste
cortam minha face desconsolada.
Findo nosso enlevo,
desperta o mundo:
E pela janela reluz o dia
tenso de borboletas.
e sinto,
nas narinas,
o hálito bruto da primavera.
Poema produzido na minha aula de criação literária, a pedido-desafio de meus criativos. Oficina: os objetos. Título original: Pelo telefone.
na carne de meu afeto.
(se dói e à noite não durmo,
ao menos fico límpida e delicada)
Nas distâncias que rebrilham sutilezas
Ouço seus olhos:
fina pétala magoada.
Sua voz a si mesma devora
famélica e desesperada.
E correntezas de brilho triste
cortam minha face desconsolada.
Findo nosso enlevo,
desperta o mundo:
E pela janela reluz o dia
tenso de borboletas.
e sinto,
nas narinas,
o hálito bruto da primavera.
Poema produzido na minha aula de criação literária, a pedido-desafio de meus criativos. Oficina: os objetos. Título original: Pelo telefone.
sábado, 21 de agosto de 2010
Gênesis
Hoje há tanto desejo,
tanto caos,
e tanta espera
que sinto que poderia escrever o mundo,
com esta voz triste de poeta.
tanto caos,
e tanta espera
que sinto que poderia escrever o mundo,
com esta voz triste de poeta.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Reverência ao mar
O oceano se banha nas próprias águas, Cacaso
O tempo é de homens partidos
e de corações partidos.
Mas, o meu olhar é de profunda
Contemplação.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Musas Inspiradas
Amigos,
Vou aqui anunciar um lançamento, ou melhor, dois lançamentos que me deixam muito feliz. Ângela Vilma em "Cartas para Antônio" e Mônica Menezes, com "Estranhamentos". Será um gosto compartilhar este momento com elas, que são duas musas absolutamente inspiradas.
Não percam!
Um beijo amoroso nas duas!!!!
Vou aqui anunciar um lançamento, ou melhor, dois lançamentos que me deixam muito feliz. Ângela Vilma em "Cartas para Antônio" e Mônica Menezes, com "Estranhamentos". Será um gosto compartilhar este momento com elas, que são duas musas absolutamente inspiradas.
Não percam!
Um beijo amoroso nas duas!!!!
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Irmanados
Sua palavra era uma só: vento que não fazia curva, faca pura lâmina atravessando minha carne. E eu sangrando. Sua palavra, uma, só. Muitas vezes me matou. Uma só, quando dizia me amar. Uma, quando me chamava pelos apelidos mais delicados e a mesma, quando meu nome inteiro e frio luzia triste entre seus dentes raivosos. E minha carne sangrando. Quando pequeno suas mãos sempre um tanto trêmulas destrinchavam brinquedos desfazendo-os de seu encanto frágil para saber apenas como funcionavam, sem jamais conseguir devolver a eles nem sombra pálida de sua vida. A mim, me desmonta como a uma boneca de juntas duras, daquelas baratas. Tão fáceis de remontar. Mas suas mãos, também de lâmina aguda, quanto mais buscam me devolver as penas e os braços, vão me ferindo tanto, e de tantas formas, que não há, em milímetro algum de minha pele triste, marca ou dor que com ele eu não possa compartilhar.
domingo, 18 de julho de 2010
Orumalé
Minha Mãe não me pediu um presente. Ela me cobrou o orumalé quase que como uma multa. Não. Mais, como uma lição. Em cada pedra brilhosa, no espelho que reflete e devolve ao mundo o que ele me dá, em dobro, duplicado que era; nas contas coloridas, nos enfeites. O que queria Oxum, mais que o presente bonito, mais que a sua mais amada refeição era me dar de volta: devolvida, revivida a minha fé. Não apenas o crer vazio de horizontes de quem dá e espera. O que ela deseja eu tenho pra dar: uma atenção cega de quem entra num rio de água preta sem medo do mistério, posto que sou eu também oculta e delicada.
A esta hora a Sereia mergulha iluminada, castanha e um pouco mais dourada, mais amada, mais minha tendo assegurada a certeza limpa de que eu sou dela. Vejo minha Mãe, a dona da beleza, perfumada de alfazema com brincos pendurados a não mais poder, pérolas rebrilhosas de puro amor, de pura entrega. Suas pulseiras ela banha antes de a mim mesma banhar e nisso não há dor, desamparo ou tristeza posto que também sou uma jóia sua, amada.
Mamãe canta seu ilá melodioso, feliz, no alto de minha cabeça, aturde o mundo diante de mim, me toma, me ocupa. Oxum é a mãe dourada da beleza, da riqueza, da gestação. O orixá da água, da fartura, da vida. Uma deusa que se bebe numa quartinha assim, de barro tão translúcido, que eu penso ser também, de um escuro nodoso e lindo, todo o mundo.
A esta hora a Sereia mergulha iluminada, castanha e um pouco mais dourada, mais amada, mais minha tendo assegurada a certeza limpa de que eu sou dela. Vejo minha Mãe, a dona da beleza, perfumada de alfazema com brincos pendurados a não mais poder, pérolas rebrilhosas de puro amor, de pura entrega. Suas pulseiras ela banha antes de a mim mesma banhar e nisso não há dor, desamparo ou tristeza posto que também sou uma jóia sua, amada.
Mamãe canta seu ilá melodioso, feliz, no alto de minha cabeça, aturde o mundo diante de mim, me toma, me ocupa. Oxum é a mãe dourada da beleza, da riqueza, da gestação. O orixá da água, da fartura, da vida. Uma deusa que se bebe numa quartinha assim, de barro tão translúcido, que eu penso ser também, de um escuro nodoso e lindo, todo o mundo.
terça-feira, 22 de junho de 2010
Luto
Um tempo que sempre me apavora, mais pela impossibilidade de antecipação que pelo seu chegar de malas arriadas sobre meus dedos pequenos, é o tempo do só depois. Algo que só Ruy Espinheira conseguiu, com pureza de sofrimento decantado, descrever. Só depois, que é o só agora, mas cortado de uma dor fina, um carrapato inchando cinza enquanto mastiga o sangue já menos vermelho. Adélia disse "Eu tive e perdi". Eu também, Adélia, tive e perdi. Tive uma irmã de lábios grossos e cabelos mais cheios que os meus jamais, jamais! Tive. E mal sabia o que fazer com o ter, ela, flâmula triste, desfez-se. Tive e perdi as tardes mornas à janela namoradeira. O olhar manso dos meninos nas bicicletas. As dunas calmas onde se escondiam todas as possibilidades e meu eterno medo de ali errar. Tive mesas fartas de pernas compridas, nelas o tilintar sôfrego nos almoços, panelas ferventes no fogo aceso, brasa viva no quintal. Tive brigas homéricas com meu irmão, simulações de suicídio, e um amanhecer sempre lindo aos pés da Lagoa, enquanto os homens e mulheres maiores que nós alimentavam a vida com seu olhar de horizonte.
Já tive um olhar, também, com menos horizontes. Já soube esperar. Já cantei bem, dancei melhor. Já pensei em me matar. Já fui a menos feia, a mais bonita, a mais pobre, a mais rica. Já fui mais magra e mais gorda.
Tive uma mãe de saltos altos e cintura fina. Uma vó de mãos cruéis que não sabia cozinhar. Um pai que me ensinou a ouvir música e sentir o mundo.
Isso tudo eu tive. Não tenho mais. O tempo faz fenecer até as flores mais severas: umas morrem despetaladas, outras murcham sem motivo algum, outras morrem de sede, ou afogadas. Eu mesma já as matei às tantas. Mas, se me lembro delas neste instante já fugidio é porque mesmo destroçadas, no ar, perdura o seu perfume.
terça-feira, 8 de junho de 2010
Epifania
Hoje disse, assim, fortuita, a um taxista, o que ensino. Respondi com uma esperteza sorrateira: "Literatura" e o mundo inteiro e de volta e novo como jamais se abriu pra mim. Voltei para casa, tal Ulisses, depois de longa jornada e eis que o vinho ali estava.
quarta-feira, 17 de março de 2010
Ir
LCDias, Imagem Pública
quarta-feira, 10 de março de 2010
Cecília Meireles
1
Não perguntavam por mim,
mas deram por minha falta.
Na trama da minha ausência,
inventaram tela falsa.
Como eu andava tão longe,
numa aventura tão larga,
entregue à metamorfose
do tempo fluido das águas;
como descera sozinho
os degraus da espuma clara,
e o meu corpo era silêncio
e era mistério minha alma -
- cantou-se a fábula incerta,
segunda a linguagem da harpa:
mas a música é uma selva
de sal e areia na praia,
um arabesco de cinza
que ao vento do mar se apaga.
E o meu caminho começa
nessa franja solitária,
no limite sem vestígio,
na translúcida muralha
que opõem o sonho vivido
e a vida apenas sonhada.
(Canções. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2005, p. 147)
Não perguntavam por mim,
mas deram por minha falta.
Na trama da minha ausência,
inventaram tela falsa.
Como eu andava tão longe,
numa aventura tão larga,
entregue à metamorfose
do tempo fluido das águas;
como descera sozinho
os degraus da espuma clara,
e o meu corpo era silêncio
e era mistério minha alma -
- cantou-se a fábula incerta,
segunda a linguagem da harpa:
mas a música é uma selva
de sal e areia na praia,
um arabesco de cinza
que ao vento do mar se apaga.
E o meu caminho começa
nessa franja solitária,
no limite sem vestígio,
na translúcida muralha
que opõem o sonho vivido
e a vida apenas sonhada.
(Canções. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2005, p. 147)
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